Se a base legal impõe o
enfrentamento destes temas na escola, o conjunto das diretrizes educacionais
brasileiras aponta a necessidade de trabalhar questões ligadas a gênero e
sexualidade desde a educação infantil até o ensino médio. Indicam para tanto
uma abordagem focada não na padronização de comportamentos ou na reprodução de
modelos pré-definidos, mas, ao contrário, na reflexão crítica, na autonomia dos
sujeitos, na liberdade de acesso à informação e ao conhecimento, no
reconhecimento das diferenças, na promoção dos direitos e no enfrentamento a
toda forma de discriminação e violência.
As Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil[1]afirmam,
dentre seus princípios, a necessidade de “construir novas formas de sociabilidade
e de subjetividade comprometidas com a democracia e com o rompimento de
diferentes formas de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de
gênero, regional, linguística e religiosa.” Isto significa que, desde a
educação infantil, é não só possível, como recomendável, trabalhar temas
ligados a gênero e sexualidade, didaticamente adaptados a esta faixa etária
específica.
As Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos[2] afirmam,
em seu Art. 16, que "os componentes curriculares e as áreas de
conhecimento devem articular em seus conteúdos (...) a abordagem de temas
abrangentes e contemporâneos” – e lista sexualidade e gênero entre
eles - que devem "permear o desenvolvimento dos conteúdos da base nacional
comum e da parte diversificada do currículo." O parecer homologado que
fundamenta as diretrizes reforça a relação entre as experiências em gênero e
sexualidade vivenciadas pelos e pelas estudantes em sua vida, a busca pela
construção de valores próprios e a importância de aprender com a diferença:
"(...) é também durante a etapa
da escolarização obrigatória que os alunos entram na puberdade e se tornam
adolescentes. Eles passam por grandes transformações biológicas, psicológicas,
sociais e emocionais. Os adolescentes, nesse período da vida, modificam as
relações sociais e os laços afetivos, intensificando suas relações com os pares
de idade e as aprendizagens referentes à sexualidade e às relações de gênero, acelerando
o processo de ruptura com a infância na tentativa de construir valores próprios.
Ampliam-se as suas possibilidades intelectuais, o que resulta na capacidade de
realização de raciocínios mais abstratos. Os alunos se tornam crescentemente
capazes de ver as coisas a partir do ponto de vista dos outros,
superando, dessa maneira, o egocentrismo próprio da infância. Essa
capacidade de descentração é importante na construção da autonomia e na
aquisição de valores morais e éticos."
A diferença se constitui,
portanto, ferramenta pedagógica, que permite conhecer e reconhecer o outro
- e a si mesmo, desenvolvendo competências fundamentais para a vida em uma
sociedade democrática. E incluem-se aí também as diferenças relacionadas a
gênero e sexualidade. Citando novamente o Parecer Homologado:
"o conhecimento de valores,
crenças, modos de vida de grupos sobre os quais os currículos se
calaram durante uma centena de anos sob o manto da igualdade formal,
propicia desenvolver empatia e respeito pelo outro, pelo que é diferente de
nós, pelos alunos na sua diversidade étnica, regional, social, individual e
grupal, e leva a conhecer as razões dos conflitos que se escondem por trás dos
preconceitos e discriminações que alimentam as desigualdades sociais,
étnico-raciais, de gênero e diversidade sexual, das pessoas com
deficiência e outras, assim como os processos de dominação que têm,
historicamente, reservado a poucos o direto de aprender, que é de todos."
As Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio[3] também
fazem menção explícita a estes temas. Em seu Art. 16, afirmam que
"o projeto político-pedagógico
das unidades escolares que ofertam o Ensino Médio deve considerar: (...) XV –
valorização e promoção dos direitos humanos mediante temas relativos a gênero,
identidade de gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual,
pessoas com deficiência, entre outros, bem como práticas que contribuam para a
igualdade e para o enfrentamento de todas as formas de preconceito,
discriminação e violência sob todas as formas.”
As Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio[4] indicam,
dentre seus princípios norteadores (Art. 6°) o "reconhecimento das identidades
de gênero e étnico-raciais (...)"
O reconhecimento das diferenças e a
abordagem da temática de gênero não está restrito a escolas urbanas. As Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo[5] afirmam,
em seu Art. 5º, que
“as propostas pedagógicas das
escolas do campo, respeitadas as diferenças e o direito à igualdade (...)
contemplarão a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais,
culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia.”
Gênero aparece também entre os
princípios da educação quilombola. O inciso XX do Art. 7° das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica[6] aponta
para
"o reconhecimento do lugar
social, cultural, político, econômico, educativo e ecológico ocupado pelas mulheres no
processo histórico de organização das comunidades quilombolas e construção de
práticas educativas que visem à superação de todas as formas de
violência racial e de gênero."
Também as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental[7] listam,
entre seus objetivos, "promover o cuidado com a comunidade de vida, a
integridade dos ecossistemas, a justiça econômica, a equidade social,
étnica, racial e de gênero, e o diálogo para a convivência e a paz".
Afirmam também, em seu Art. 14 que a abordagem curricular deve relacionar “a
dimensão ambiental à justiça social, aos direitos humanos, à saúde, ao
trabalho, ao consumo, à pluralidade étnica, racial, de gênero, de
diversidade sexual, e à superação do racismo e de todas as formas de
discriminação e injustiça social."
As Diretrizes Nacionais para
a Educação em Direitos Humanos[8], que
se aplicam a todos os sistemas e instituições de ensino, definem
como seus fundamentos, entre outros, a dignidade humana; a igualdade de
direitos; o reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; a
laicidade do Estado e a democracia na educação.
As Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial em nível superior e para a formação
continuada definem como um dos princípios da Formação de Profissionais
do Magistério da Educação Básica "a formação dos profissionais do
magistério (formadores e estudantes) como compromisso com projeto social,
político e ético que contribua para a consolidação de uma nação soberana,
democrática, justa, inclusiva e que promova a emancipação dos indivíduos e
grupos sociais, atenta ao reconhecimento e à valorização da diversidade
e, portanto, contrária a toda forma de discriminação". Ou seja, a
sociedade brasileira espera, ou melhor, demanda de seus profissionais de
educação uma atuação enfática na superação de toda forma de discriminação,
incluindo-se aí as relacionadas a gênero e orientação sexual. Estes são,
portanto, temas e perspectivas que, por ofício, cabe a educadores e educadoras
trabalhar na escola. Neste mesmo sentido, profissionais de educação não podem
ser obrigados a impingir sobre seus alunos e alunas determinado modelo de
comportamento de gênero ou sexualidade, sob pena de estarem desrespeitando o
direito constitucional à personalidade de cada criança, adolescente e adulto.
Disponível em: http://eprafalardegenerosim.blogspot.com.br/p/o-que-dizem-as-diretrizes-para-educacao.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Muito obrigada pela participação!